quarta-feira, 6 de julho de 2011

As portas do inferno

Crônica de Felipe Salorran
Imagen de Deilson

Ela era minha amada, não vou mentir, e sempre me dizia palavras belas, fazia demonstrações de amor em público, ou reservadamente. Conhecemo-nos numa ocasião estranha, era Natal, e nada tirava da minha cabeça que aquela moça era meu presente. Foi uma alegria imensa, pois me sentia sozinho, precisava de alguém para amar, para me ouvir, para me aconselhar.

Certo dia, fui conhecer sua família, e todos gostaram de mim. Que bom! Eu esperava alguma aversão, pois nossa diferença de idade era significativa, assim como todas as outras mulheres com as quais me envolvera. Fomos, cada vez mais, ficando íntimos, próximos. Morávamos em bairros não tão distantes um do outro, e isso nos facilitava os encontros. Até então, não havíamos tentado algo mais quente, porque seus filhos não nos deixavam a sós. Sim, ela era mãe de um casal.

Numa oportunidade inesperada, ficamos apenas os dois em sua casa, e, como era de se imaginar, não pensamos muito e tratamos de ir para seu quarto. Começamos devagar, um tirando a roupa do outro. Fiquei apenas de cueca e ela apenas de sutiã e calcinha. Cada um passeava pelo corpo alheio. Eu tirei minha cueca e aproximei-me dela para tirar o que faltava, para isso, coloquei minhas mão em suas partes íntimas superiores, e arranquei aquele pedaço de pano. Abaixei-me para, da mesma maneira, tirar o que me impedia de apreciar a parte do corpo humano que tanto enlouquece os homens. Ao conseguir o que queria, senti algo estranho, foi um “odor”; parecia que haviam aberto as portas do inferno e todos os pecadores estavam sendo sacrificados. Não podia desapontar uma pessoa tão doce, e ir embora, então, resolvi que iria até o fim, iria fazer o que queria, na verdade, quisera.

Cada vez que nos movimentávamos, o “aroma” parecia procurar minhas narinas, e, de uma forma ou de outra, encontrava. Eu buscava posições nas quais conseguisse escapar daquilo que me perseguia. Quando ela ficou na famosa “de quatro”, meu Deus! Era bater e subir, na minha cara.

Convenhamos, é normal a mulher ter um cheiro peculiar, isso até nos agrada, mas não daquele jeito. Se aquilo pegasse nos olhos, cegá-los-ia.


Fada Madrinha

Samila Lages

Luan era um menino.

Vestia-se como menino, falava como menino, andava com os meninos. Jogava bola e video-game e roubava fruta no quintal dos vizinhos, assim como os outros meninos. Olhava a Playboy escondido e ficava falando gracinhas para as meninas. Também tinha o desleixo típico dos meninos, a mania de jogar a roupa suja debaixo da cama, de subir em árvores, e de voltar para casa todo sujo e cheio de hematomas.

Mas mesmo assim, havia algo errado com ele. Algo realmente errado, e que só ele conseguia ver. Seus amigos não notavam e embora seus pais tivessem idéia do que fosse, negavam a si mesmos dizendo que era só uma fase, que logo ia passar. O psicólogo dissera que nada podia ser feito no momento, só esperar.

O problema tinha a ver com aqueles malditos contos de fadas, que entram na cabeça das crianças e as deixam cheias de sonhos impossíveis. A funesta fantasia que fazia com que meninas sonhassem com príncipes encantados vindo buscá-las a cavalos brancos, e que fazia com que os meninos se imaginassem em pesadas armaduras, brandindo espadas e matando dragões.

Isso foi antes da televisão estragar tudo e acabar com a magia, é claro. Mas mesmo assim, os contos de fadas conseguiram chegar até Luan.

Contos de fadas não são prejudiciais, desde que você não acredite neles. Mas Luan acreditava. Pior, acreditava logo na fada madrinha, que um dia viria do céu e realizaria seu mais precioso desejo.

“Fada madrinha? Mas isso é coisa de mulherzinha, mané!” – Foi o que seu melhor amigo disse quando Luan confessou-lhe seu mais oculto segredo.

O menino concordou, um pouco triste. “Fada madrinha? Bá, que merda, né? Coisa de viadinho! Nem sei de onde tirei isso” – Respondeu, fazendo-se de forte.

Mas o fato era que mesmo sendo menino – quase homenzinho, na verdade – Luan não conseguia tirar da cabeça aquelas bobas ilusões infantis. Tinha algo realmente errado com ele, e que o deixava a cada dia mais angustiado e infeliz. Talvez ele não servisse para ser menino, talvez em sua alma, ele não passasse mesmo de uma “mulherzinha”. Talvez se apegar na esperança da existência de uma fada madrinha fosse só a prova que ele jamais conseguiria realizar o que tanto desejava.

Era com esses pensamentos que ele encarava a cada dia seu reflexo no espelho, e constatava, desolado, o crescimento dos seus seios, os quais ele tentava a todo custo ocultar. Abria o armário do banheiro e encarava, raivoso, o maldito pacote de absorventes íntimos, os quais ele sabia que algum dia teria que usar. E pelo jeito que sua mãe descrevera, e pelas dores que sentia no ventre, esse dia não demoraria muito.

E era nesse momento que ele abria a janela e procurava no céu pela primeira estrela que surgira na noite, e fazia esperançoso, o mesmo pedido de sempre: “Fada madrinha... Me faz ser um menino de verdade...”

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